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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Hoje fez um ano que minha avó materna morreu.
Algo que me lembro todos os dias, mas ainda não derramo nenhuma lágrima. Tudo vai embora, e tá tudo bem.

Eu ainda me lembro dela. De quando conversava comigo, de quando me dava um abraço bem forte e ficava feliz em me ver. Eu também me recordo de quando eu a pegava às vezes olhando pro nada, de cabeça abaixada, com um olhar um pouco entristecido... E eu perguntava a ela: "o que foi, vó? Tá triste?" e ela respondia: "Ah... é a vida...". Como que se me dissesse: "É a vida passando bem diante dos meus olhos, e passando devagar e rápida, me levando com ela e me mostrando só traços do que já foi." Eu conhecia minha avó. Talvez eu fosse uma das pessoas que mais a conhecia - além de um parente, e sim como uma pessoa. Eu entendia como ela era reprimida pela nossa família, porque eu vivia aquilo também. Parecia que a gente sempre andava lado a lado, e ela era quem mais tentava, e tentava de verdade enxergar o que estava por trás do meu choro depois da briga e revelava o meu erro ou acerto da maneira mais terna possível. Não daqueles jeitos que as pessoas falam em filmes, com palavras muito bonitas, ou do jeito que eu queria que fosse, mas, mesmo assim, era suave e compreensível.
Ela não queria que eu fosse artista. Como disse ela uma vez, "por quê você não vira engenheira, médica, advogada? Dá mais dinheiro, não é não, fia?", e eu respondia: "Talvez sim vó, tudo que eu sei é que vale abrir mão dessas profissões tão importantes que todo mundo conhece como sucesso e fazer tudo o que elas fazem: mudar tudo em uma só coisa: artista. Eu tenho uma coisa pra respirar agora." Ela sorria, dizia "É, né? Que bom!" e fingia entender o que eu disse para evitar qualquer longa explicação, mas de alguma forma via felicidade em mim.

Minha impaciência e estresse muitas vezes a atingia, porque ela não era toda doce (muito menos eu), e não quero romantizar tudo o que vivi com ela só porque ela morreu. Era um pouco chata com muitas coisas, e reclamava de outras milhares, reclamava, gritava (eu via muito minha mãe nela).
Chegou um tempo em que as pessoas que ela convivia sempre (minha prima e tia), não tinham mais paciência. Abriámos mão de muita coisa pra ficar com ela no hospital, ou tomando conta dela (talvez eu fosse a única que achava que ela não precisava de ninguém a observando - ela mesmo dizia). Seus ferimentos no pé chegavam a ser dolorosos até pra nós: feridas na carne, horrendas, ruins de se olhar. E ela sabia disso. Quando estava tudo ok, ela escorregava no banheiro, caia na rua, ou acontecia outra coisa que não dá muito bem pra se explicar o porquê aconteceu. Era assim: do nada.

Um dia, minha prima, irmã e eu tivemos uma briga. Daquelas feias bem feias. O que parecia um pouco impossível, já que as únicas brigas que tivemos foi quando a gente era adolescente. E brigávamos por causa da minha avó. Quem cuidava menos? Quem a via menos? Quem se importava mais? Foi quando, no meio, quase no término aliás, minha avó começou a chorar e se angustiar, porque ela viu que era o problema de todo peso. Ela pedia pra parar, porque o choro era de todo mundo. Paramos aos poucos e tudo foi se resolvendo, e o fim foi cravado por uma canção que eu não me lembro muito bem, mas era bem bonita, um daqueles hinos de louvor que cantavam nas igrejas na época da minha vó. Aí foi quando minhas lágrimas caíram, e eu pensei: "Preciso guardar esse momento pra sempre comigo", e nunca mais esqueci. Naquele momento, as palavras da minha avó se fincavam em mim: "Tudo vai embora, tudo acaba, Lolô", e eu só concordava e dizia que ia ficar tudo bem. Mas eu sabia que não ia. Ela sabia que, pra ela, talvez apenas piorasse, cada dia mais. Era ficar e sofrer, ou ir e sofrermos. Primeira opção. O corpo foi avisando e a velhice dela, a saúde dela dizendo que ela deveria ter se cuidado mais, mas, mesmo assim, pedindo desculpas a ela pela falta de oportunidades e pela velhice prematura (minha avó teve meus tios e minha mãe com uns 40 anos, e viveu a vida tendo que trabalhar na roça e chegando na cidade, já tava bem velha e não sabia pra onde ir, exceto ficar quieta em casa, vendendo Avon, cozinhando, indo à igreja e vendo novela).      

Sinto falta não somente dos dias em que ela enquanto podia, fazia cuidadosamente biscoito frito ou rosquinha quando eu passava o dia na casa dela, que era bem perto da minha escola, e ela preparava meus lanches com mussarela e presunto e uma garrafinha de suco ou refrigerante. Me dava um banho muito muito difícil, tendo que enfrentar uma menina mimada que achava que podia fazer tudo por si só. Lembro dos tapetes que ela fazia e do meu interesse por costurar roupas nas minhas pouquíssimas bonecas e na máquina velha de costura que ela tinha, bem pesada, e como eu tentava manuseá-la, mas sempre sem sucesso, até que ela pelo meu pedido me ensinava, mas ainda eu não conseguia - medo daquelas linhas e cordas se movimentando freneticamente. Gosto do tempo em que ela morava bem pertinho de casa e era mais fácil visitá-la, e a gente assistia filme e novela. Foi a terceira casa dela. A segunda foi a minha.
A primeira e a melhor de todas minhas memórias era em um bairro muito distante, perto da linha do trem, da fábrica de Coca-Cola e do final de Uberlândia. O trem... O barulho alto do trem, os grunhidos dos gatos que eu tinha muito medo quando eu ia dormir na casa dela, das amigas da minha prima, dos pés de goiaba que tinham na esquina da casa e eu ia escondido andar pelo bairro, sozinha, ou na linha do trem, o que mais me fascinava. Eu me trancava no quarto da minha prima, ia ler livros ou qualquer revista e gostava disso. E o mercado do Japão, mercadinho bonito que minha avó adorava comprar o chocolate da Turma da Mônica pra nós; os dias de chuva... construindo fortes e brincando nas enchurradas e vendo desenho na TV Cultura... Foram dias que me orgulho em dizer que foram meus e que minha infância foi sim bem bonita. Minha avó teve uma enorme importância nisso tudo, e eu agradeço a ela (como eu já agradeci) por ter vivido conosco e ter nos amado tanto. Ela reconhecia que aquele lugar fez parte de quase toda a vida dela, desde que ela se mudou de Goiatuba para cá, e talvez seja por isso que ela batia o pé no chão e ficava triste comentando comigo que iria se mudar e que não queria que isso acontecesse. Eu a entendia. E concordava e repetia suas palavras: "Vó, mas tudo tem um fim. É só superar isso, dizer que foi maravilhoso e seguir em frente sem olhar pros restos no chão."

Queria ter levado ela pra passear, pra sair, pra ver o pôr do sol, o mar (embora ela tivesse medo como ela teve no Rio de Janeiro, em fevereiro de 94), os pássaros e um céu que não se prendia ao formato e à visão da janela do apartamento ou do hospital. Ter momentos de liberdade que raramente teve. Descobrir, ver um filme, conversar. Fazer o que nunca, na adolescência dela, ela pôde.
Saber que ela não está mais aqui, é bem ruim, confesso. É sempre bem ruim. É como se faltasse uma parte de alguma coisa naquilo que dizem que é família, assim como o quarto vazio que me deparei pela primeira vez depois que ela se foi: um buraco, escuro, sem fim. O cheiro dela continuava pelos quartos, impregnado na parede. Um cheiro tão incomum... que às vezes eu ainda sinto quando vou à casa dela. Mas era mais ruim ainda a ver sofrendo e não nos dias que a gente se divertia mais e tudo era mais fácil. A imagem que tenho dela é ela penteando seus cabelos cinza e colocando grampos nele e dizendo pra mim quando eu a via: "Ué, Lolô, seu olho não amadureceu não? Vai ser sempre verde assim, é?" E eu: "Mas o seu também não amadureceu! A gente tá igual!" E ela ria, e eu gostava muito da risada dela, sempre rindo com vontade, com seus vestidos estampados, cinza, com flores, claros ou pastéis.
Tudo se vai, se foi, mas o amor e os pontos eternos de lembrança piscando continuam o mesmo.
Saudade.